Isto não é propriamente um blogue. É apenas um espaço para expandir trabalhos que, pela sua dimensão, tornem fastidiosa a sua leitura no Memórias.

domingo, 2 de novembro de 2008

Os Aduladores da Gravata

O insucesso no condado

Afonso Henriques, o primeiro régulo deste nosso condado, por birra, por avidez, zangou-se com o avó e com a mãe e quis governar ele este povoléu tacanho e adverso ao belle esprit. Como o Minho é pequeno até para os que cá vivem, quanto mais para os que vêm, atirou-se para sul a conquistar as terras da mourama. Espetou a lança em Lisboa e disse: «Aqui agora mando eu!». E esta frase foi passando de boca em boca pelos seus sucessores até agora. E parece que ainda é uso dizê-la...
É por uma pesada pedra em estado de desintegração do muro deste condado que invitarei a seguir os raciocínios e os factos que se seguem.
Há cerca de dois anos fez-se um estudo exaustivo da instituição ensino em vários países do mundo: africanos, asiáticos, americanos e europeus. Portugal foi um dos países da lista. Chamou-se ao programa Literacy, ou, em português, Literacia. Seleccionaram-se algumas escolas espalhadas por todo o território nacional, meio urbano, província, interior, ilhas. Dos alunos escolheu-se um back-ground razoável, de vários extractos sociais e culturais. Fizeram-se testes aos alunos no domínio da escrita, da leitura e da compreensão textual. Os resultados saíram este ano (1993) e são muito piores do que se esperava: Portugal está no fim da lista.
90% dos jovens que saem da escolaridade obrigatória não lêem livros nem jornais e, nos testes, revelaram total incapacidade para compreender um simples enunciado escrito. 50% dos alunos que seguem os estudos nas universidades revelaram grandes dificuldades na escrita e na compreensão textual. Procuram-se razões, bodes, expiatórios. Estes são, como sempre, os professores, porque o aluno, coitadinho, não pode aprender o que não lhe ensinam. E agora, cada vez mais, por uma política de poupança e de aparências, os jovens saem do ensino obrigatório quase analfabetos. Nada se exige deles e, para obrigar os professores a passar aqueles que não atingiram os objectivos mínimos, sobrecarregam-se com burocracia. Poupando por um lado, gasta-se pelo outro: toneladas de papel são dispendidas em cada período no preenchimento inútil de fichas de avaliação que ninguém lerá e que em nada contribuirão para a recuperação dos alunos.
O importante é que a UE pense que cá no condado não há insucesso! E para iludir as estatísticas, inventam-se novas avaliações, novos programas, novas carreiras docentes a cheirarem a mofo. E não se pensa que o insucesso possa estar em casa de cada criança, de cada jovem. Os milhares que se esbanjam a pagar a técnicos
e pedagogos para se reformularem sistemas de ensino impossíveis, porque não gastá-los na dignificação das famílias com menos recursos? Porque o insucesso escolar começa em casa, na má situação económica e na ignorância dos pais, no desacompanhamento e no abandono a que as crianças são votadas em casa.
Aventam-se hipóteses para o grande sucesso do ensino na Finlândia (aquele país ao lado da Suécia). Há grande estabilidade económica, cultural e afectiva na maioria das famílias. As que possam ter dificuldades são acompanhadas por psicólogos e ajudadas financeiramente pelo Estado. Os professores, coisa importante, não podem leccionar enquanto não tiverem o Mestrado. (Aqui no condado, qualquer bicho careta com o 11º ano já é professor. E temos até, advogados a darem Português, engenheiros de Construção Civil a darem Matemática, meninas da Alliance Française e meninos do Instituto Britânico a darem Francês e Inglês, sem terem uma noção do que é a pedagogia.) E depois são os emolumentos. Na Finlândia um professor ganha muito bem, sem ter de se preocupar em arranjar biscates.
Quantos professores neste condado, para «ganharem mais algum», não montaram uma boutique, uma loja de electrodomésticos, não são angariadores de seguros? E, claro, a ida à escola, o contacto com os alunos torna-se, por absurdo, um passatempo. Porque a verdadeira vocação deles é o comércio. E quantas vezes esse comércio começa nos muros da escola!... A sala de professores torna-se, assim, num estendal de langerie feminina, servindo ao mesmo tempo de boutique, ourivesaria e loja de miudezas.
José Leon Machado, 1993
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/letras/adulad19.htm