Isto não é propriamente um blogue. É apenas um espaço para expandir trabalhos que, pela sua dimensão, tornem fastidiosa a sua leitura no Memórias.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

A Cultura do Linho


Gostei de ver a evocação que fez o meu amigo Eduardo Daniel Cerqueira, do blogue Paredes de Coura - Terra com Alma , à tradicional cultura do linho. Trata-se de uma amostra das tradicionais "fiada" e "espadelada" onde não faltam os cantares regionais, os namoricos, as rixas, a merenda.
Mas acerca desta ancestral actividade muita coisa se pode dizer ainda porque o ciclo do linho nunca tinha fim. E eu, recorrendo ao arquivo das minhas memórias de infância, posso deixar alguns contributos para ilustrar o quão árdua era essa tarefa
Poderia começar pela fiada mas vou começar pelo início, isto é, pela preparação da terra para efectuar a sementeira.
A terra escolhida para tal fim era da melhor, funda, bem adubada e perto de manancial de água porque é uma planta muito exigente neste recurso.
Assim, em Abril ou Maio, a terra bem estrumada era cavada ou lavrada, alisada com ancinhos e limpa de quaisquer ervas ou matéria orgânica à superfície para de seguida a mão experimentada do semeador lançar a linhaça ao solo. Seguidamente, com os mesmos ancinhos, as sementes eram devidamente misturadas com a terra fresca e fofa e ficava a germinar.
Assim que as sementes grelavam começava uma constante cata de ervas daninhas, nomeadamente a gorga, e frequentes regas com todo o cuidado para não arruinar a cultura. Eram horas, dias a fio que as mulheres passavam debruçadas sobre o linhar ou linhal, em jornadas contínuas que se desenvolviam até ao amadurecimento da baganha, lá por princípios de Agosto. Pelo meio ficava o período da floração. Lindo de se ver o espectáculo que aquelas pequenas porções de terreno, todas cobertas com um uniforme manto de verde e azul colorido, proporcionavam ao nosso olhar!
Seguidamente procedia-se ao arranque dos caules, perfeitamente acondicionados em manadas que se sobrepunham cruzadas umas sobre as outras.
Num canto do terreno era colocado o ripanço, um banco longo de madeira com uma cavidade ao centro onde encaixava verticalmente o ripo, um madeiro com um pente de ferro encastoado no topo. Era aqui que se separava, manada a manada, a baganha dos finos caules. A baganha era seca na eira ao sol para largar a linhaça, o linho, devidamente acondicionado aos molhos bem apertados com atilhos de palha de centeio, era transportado às costas e à cabeça das mulheres para o ribeiro onde ficava mergulhado na água cerca de uma semana. Escolhia-se um poço com a profundidade suficiente para os molhos ficarem submersos e, dispostos estes lado a lado, eram cobertos com ramos de árvores carregados com pesadas pedras para manter aquele tesouro nas profundezas.
Por fim era retirado da água e estendido num campo aberto e com boa exposição solar em fiadas sucessivas para secar.
Depois de bem seco, o linho era levado para a eira e ali submetido manualmente, com maça ou mangual, a uma longa e barulhenta maceração até desfazer a parte exterior ficando apenas a fibra em bruto com muitas partículas da casca, chamadas arestas, à mistura. Também era possível efectuar esta operação em engenhos próprios movidos a água mas raramente se recorria a este artifício por ser muito dispendioso devido ao transporte, em regra para bem longe, e pagamento dos honorários devidos ao proprietário.
Após ser maçado podia-se guardar a fibra para quando houvesse tempo, normalmente no fim do Outono e durante todo o Inverno.
Só depois é que se fazia a espadelada. Preparavam-se manadas de grossas fibras que à força da espadela no cortiço eram libertas do resto de matéria lenhosa. Com esta matéria também se soltavam algumas fibras mais grosseiras, os tomentos, que depois de limpos o melhor possível das arestas eram fiados e davam lugar a um tecido grosseiro com que se fabricavam lençóis, autênticos instrumentos de tortura a condizer com o tormentoso nome.
A outra parte do linho, depois de assedado no sedeiro, dava lugar a dois subprodutos: o linho, a melhor e mais fina matéria daquela fibra, e a estopa.
Seguia-se a fiada, com a roca e o respectivo fuso, passando de vez em quando o fio pela língua para ajudar a torcer:
Quem me dera ser o linho
Que vós na roca fiais,
Quem me dera dar beijinhos
Como vós no linho dais.
Assim cantavam os rapazes que apenas assistiam àquela actividade com o fito de "engatar" alguma namorada...
O fio enrolado no fuso dava lugar à maçaroca que depois de submetida a nova operação no sarilho, atando uns fios aos outros, dava lugar a uma meada.
As meadas eram cozidas com cinza, colocadas a corar, lavar e corar, lavar e corar, até atingir a alvura pretendida. Só depois ficavam prontas para serem colocadas na dobadoira, fazer novelos, os novelos iam à urdideira e dali saía a teia.
No final de todas estas operações é que a teia era acondicionada no tear para fabricar aquelas maravilhas que noutros tempos serviram para confeccionar peças de vestuário, aconchegaram muitas camas e, actualmente, guarnecem mesas, cobrem altares e são o orgulho dos enxovais de muitos lares.