Isto não é propriamente um blogue. É apenas um espaço para expandir trabalhos que, pela sua dimensão, tornem fastidiosa a sua leitura no Memórias.

sábado, 10 de julho de 2010

Os novos muros de "Berlim" - Desabafo de um Guarda

Nos anos 80 fui colocado numa "velha" companhia da raia terrestre alentejana da, então, muito prestigiada Guarda Fiscal - comparando, claro está, com a, então, mais que obsoleta GNR, que ainda andava de mauser, camisa verde exército, e polainas - O refeitório dessa companhia era uma sala ampla de tectos altos e trabalhados, com grandes janelas donde se podia observar, enquanto comíamos, a bela planície alentejana.
A comida era óptima, bem confeccionada, e a sala cheirava a "asseio". Nas paredes, havia umas reproduções de uns quadros de alguns pintores portugueses. Recordo apenas o nome de um desses artistas, a já falecida Vieira da Silva e no seu quadro constava o seguinte dizer: "A POESIA ESTÁ NA RUA", numa clara alusão à revolução dos Cravos.
Nessa messe alentejana almoçava o nosso capitão, comandante de companhia, os sargentos e os guardas.
Normalmente o capitão almoçava numa nas mesas redondas com alguns sargentos e o cabo mais velho, outras vezes juntavam-se também a mulher ou filhos dos ditos que com eles almoçavam.
Nós, os guardas, almoçávamos nas outras mesas na companhia dos outros sargentos e, casualmente, com alguns dos nossos familiares.
Com o devido respeito, dentro do horário e de acordo com o serviço a desempenhar, cada um almoçava livremente sem ter que andar a pedir "licenças" para iniciar a refeição, etc.etc.
No tempo das férias escolares era costume haver bastantes miúdos, nossos filhos, a almoçar. O cabo responsável da messe colocava-os todos numa mesa. Era os filhos do capitão, eram os dos sargentos, eram os dos guardas, todos almoçavam juntos e por ali passavam as tardes na brincadeira.
1993: Extinção da Guarda Fiscal.
No início de 1994, com alguma admiração, vimos começar a levantar-se um muro de tijolo na velha sala da messe. Segundo se dizia, por obrigação do comando da GNR o Comandante de Compahia teria de fazer as suas refeições separado do resto do efectivo. E assim foi, o novo CMDT passou a comer isolado ou na companhia da esposa/filhos ou amigos. Os filhos do sr. tenente já não almoçavam com os filhos dos guardas e dos sargentos.
2008 é extinta a Brigada Fiscal e as instalações passam para o dispositivo territorial, sem o desejar transito também para o territorial.
Janeiro de 2010, por pressão dos sargentos, novo muro de tijolo se levanta na velha messe única dos guarda fiscais. Estava criada a messe para a meia dúzia de sargentos.
Quando vi a minha filha, de tabuleiro na mão, parada no meio da sala dos guardas a observar, pela porta aberta da messe do oficial, demoradamente, o Pires "cozinheiro" a servir a sopa à filha do sr.
capitão, que por acaso até anda na mesma universidade (Évora) que a minha rapariga, senti-me envergonhado, primeiro, enojado, depois.
Nunca mais, mesmo de serviço, comi naquela messe. Nem nunca mais a minha filha entrou naquele quartel.
Nada mais humilhante que vermos os nossos filhos segregados, como praticamente, já só acontece na GNR.
Ironia do destino: uma Guarda que foi criada para defender os valores republicados da Igualdade, Fraternidade e Liberdade, mas que ainda espelha a velha sociedade medieval.
 
 
Texto anónimo recebido via email, só para me chatearem...