Era bastante tarde quando chegou, já
Dorinda se encontrava na cama, com o dedo na crica, como de costume, a tentar dormir.
Entrou no quarto silenciosamente,
despiu-se e acomodou-se no leito conjugal. Voltou-se para a Dorinda que estava
de costas e subitamente sentiu vontade de a possuir. A sua virilidade voltara
como por artes mágicas e começou a esfregar o pénis no traseiro da mulher,
embora o pensamento se encontrasse longe, com outras imagens. A Dorinda não deu
sinal de acordar mas remexou-se e empinou o rabo de modo a facilitar a vida ao
garanhão que, desse modo, a penetrou com uma fúria pouco habitual.
Foi uma sessão de sexo puro e duro, sem
preliminares, sem carícias, sem palavras, apenas sexo. Um sexo selvagem que
terminou dois minutos após ter começado e só serviu ao homem para recuperar o seu
amor-próprio e à mulher para acumular mais frustrações por um amor mal
resolvido.
Dali em diante as avarias na casa da
vila e o excesso de trabalho no cartório passaram a ser mais frequentes e o
senhor Antoninho passou a voltar para casa cada vez mais tarde e, por vezes, até
a pernoitar fora. E, enquanto isso, a vida sexual do casal voltou à pasmaceira
anterior, o que levava a Dorinda a cismar acerca do que se passaria consigo
mesma para ser assim repudiada pelo marido. Foi a uma cartomante que viu nas
cartas uma rapariga jovem mas recusou-se a acreditar porque o seu António nem
azeite tinha para fazer alumiar a lamparina lá de casa muito menos enredar-se
com uma jovem que seria, certamente, muito mais exigente. Mas a partir daí a
imagem de uma jovem, fogosa como a “república”, passou a persegui-la
incessantemente.
A verdade é que enquanto a Dorinda
continuava lá por casa a matutar e a encorricar, o seu António, o senhor
Antoninho, vivia um romance de sonho com a fogosa Gaby, facto que já era alvo
de comentários no serviço e nos cafés da vila, no mercado e na praça de táxis,
e até já se repercutia nos adros das igrejas das aldeias.
Uma vizinha segredou-lhe que se
constava algo acerca da vida amorosa do António e, apesar de repudiar vivamente
essas insinuações, o fantasma da traição inculcava-se mais e mais na sua cabeça
já de si muito confundida com as próprias suspeitas.
Um dia confrontou o marido com as suas
dúvidas mas nada ficou claro apesar dele repetir as juras de fidelidade e amor
eterno, que era tudo por causa do excesso de trabalho, que o chefe lhe tinha
determinado objectivos difíceis de atingir e se não os alcançasse não teria
aumento salarial nem progressão na carreira, podendo ainda ser deslocado para
“cascos de rolha”, o que seria desastroso para a vida do casal. Para lhe
demonstrar o quanto estava equivocada, levou-a carinhosamente para o quarto, beijou-a
apaixonadamente e fez-lhe uma imensidade de carícias em locais que ela
desconhecia terem tanta sensibilidade. Sentiu-se culpada por ter duvidado do
seu homem e fizeram amor como nunca tinham feito. O António até a colocou de
quatro e comeu-a assim, como fazem os cães e os porcos e outros animais, uma
novidade no relacionamento amoroso da parelha. E seguiram-se outros episódios não
menos escaldantes nos dois dias seguintes. Porém, o início de mais uma semana
de trabalho reverteu aquela lua-de-mel surpresa e a rotina e os fantasmas da
Dorinda voltaram a tomar conta de todo o seu ser.
Para piorar tudo, descobriu num bolso
do António uma carteirinha com dois comprimidos onde se lia “Cialis” e ficou
preocupada. Andas doente? Tens uns comprimidos no bolso do casaco… Ah, não é
nada, não te preocupes, foi o doutor Fagundes que me prescreveu um fortificante
cerebral por causa do excesso de trabalho… Pesquisou na internet e verificou
que o excesso de trabalho seria na cabeça situada entre as pernas. Agora já
quase não tinha dúvidas e sentiu na cabeça o duro peso da armação que o marido
lhe andara a arranjar. Só faltava saber com quem e porquê.
Naquela casa já nada voltaria a ser
como antes. A Dorinda definhava com as suas suspeitas. Estava mais magra, com
olheiras profundas e cada vez mais engelhada. Desabafou com a filha, num fim-de-semana
em que esta veio a casa para se reabastecer de batatas, cebolas, hortaliça
diversa, uma galinha e dois coelhos mas também ali não encontrou a paz de
espírito de que necessitava. Tinha de ser ela a tirar tudo a limpo.
Dali em diante passou a espiar tudo que
o marido fazia, a vasculhar os bolsos do vestuário, a cheirar, a procurar
indícios de uma infidelidade em que ainda se recusava a acreditar mas não
encontrou mais nada. Já só restava fazer uma “pesquisa de campo” e foi o que se
propôs fazer: seguiria os passos do marido, como uma sombra, até descobrir onde
é que ele andava a “pastar”.
Não era propriamente uma perita em
seguir pessoas e tinha de cuidar da vida da casa, deslocar-se à vila de táxi ou
de camioneta e regressar antes do António, para que este não descobrisse que o
andava a vigiar. Regressava quase sempre estafada e sem obter qualquer resposta
para os seus tormentos.
Por fim uma velha conhecida que tinha
uma retrosaria na vila gracejou-lhe com um piscar de olho, o senhor Antoninho
ontem estava muito bem acompanhado na pastelaria ali da esquina! Ah, coitado,
ele não é desses, mata-se de trabalho aqui e vai sempre a correr para casa para
tratar da vinha e da horta… Ai então devo-o ter confundido com outra pessoa
porque já eram dez e meia da noite.
Se já andava angustiada mais ficou
ainda. De facto, no dia anterior o seu António não tinha ido para casa porque havia
um trabalho extra para fazer, muito urgente, e por isso precisava dormir na
casa da vila… Grande patife! Pois ainda que tenha de vir para cá todos os dias
juro que hei-de saber quem é a galdéria!
Naquele dia estava decidida a tudo.
Depois das lides diárias a cuidar dos animais aos quais brindou com uma dose
extra de ração e água, tomou banho, vestiu-se com o melhor que tinha, pôs um
perfume caro que o António lhe tinha oferecido no aniversário de casamento e
tomou a camioneta das onze com destino à vila. Não tinha pressa. Esperaria que
o marido saísse do emprego e segui-lo-ia até à “toca” da hiena. Observou as
novidades nas montras das lojas descontraidamente, foi à cabeleireira arranjar
o cabelo, passou pela drogaria onde comprou alguns artigos de que precisava e,
por fim, postou-se num canto da praça em frente ao cartório notarial de onde
podia controlar os acessos ao mesmo, bem dissimulada com os arbustos do pequeno
jardim.
Não foi preciso esperar muito. Eram
cinco e meia em ponto quando o António assomou à porta do cartório, muito
sorridente, a falar descontraidamente com uma rapariga que já conhecia de vista
desde aquela vez que fora ao médico e passara pelo local de trabalho do marido
para que este lhe levasse uns medicamentos que a farmácia só receberia lá mais para
a tarde.
Parecia perfeitamente normal que assim
fosse. Eram colegas de trabalho, certamente viriam a falar de alguma peripécia
mais engraçada que tivesse ocorrido lá no cartório, mas continuaram muito
juntos pela rua abaixo. Um acesso de ciúme fez tremer de raiva a Dorinda que,
ainda sem quaisquer certezas, arranjou forças para se conter e não armar um
escândalo ali mesmo, em público e em pleno centro da vila.
Seguiu-os e viu-os a entrar na
pastelaria de que lhe falara a amiga da retrosaria. Continuou devagar, rua
abaixo, e aproximou-se do estabelecimento. Espreitou por uma esquina da ampla
vitrina e viu o par de pombinhos sentados numa mesa, ele de costas para a rua e
a rapariga ao seu lado direito, com uma parte generosa das portentosas coxas à
mostra.
Viu o António pousar a mão naquela
pedaço de carne perante a passividade da jovem e de seguida a beijarem-se. Uma
imensa raiva turvou-lhe a vista. Cerrou os dentes com força para não começar a
gritar, secou o suor das mãos na saia e, decidida a pôr um ponto final naquela
farsa, entrou na pastelaria.
Tão embrenhados estavam naquele idílio
que só deram pela presença da Dorinda quando esta estacou, pálida e serena,
junto da sua mesa. Assim que a viu o António vacilou mas depressa recuperou a
compostura e atalhou: Dorinda, por aqui? Passou-se alguma coisa? Olha, eu
estava mesmo de saída para ir para casa… Ah, apresento-te a Gabriela, a minha
colega de que já tínhamos falado há tempos… Viemos só tomar um cafezinho e
acertar umas coisas para amanhã… Mas, que se passa? Estás doente?
A Dorinda não ouviu nada do que o
António disse. Olhou a Gabriela de cima a baixo, sentou-se calmamente, colocou
o saco com as compras ao seu lado e pediu uma água. A Gabriela tentou ser
simpática e disse-lhe que já andava com vontade de a conhecer há muito tempo,
que o António lhe dizia maravilhas dela, que a devia amar muito, que era uma
mulher com sorte por ter um marido assim tão dedicado. Mas, perante a
passividade da mulher, achou mais prudente calar-se.
Também o senhor
Antoninho perdeu a fala e por alguns instantes o silêncio tornou-se algo
embaraçoso. Por fim a Dorinda voltou-se para o marido e disse: olha, comprei
uma coisa para ti… Debruçou-se sobre o saco das compras, remexeu um bocado e,
num gesto repentino, derramou sobre o abdómen do António o líquido de um frasco
de litro e meio cujo rótulo avisava para os perigos de uso e tinha escrito
“ácido fluorídrico”. Seu porco! Se não fores para mim também não hás-de ser
para mais ninguém! Pegou nas suas coisas e saiu tão calmamente como tinha
entrado.
O poderoso ácido foi rápido na sua
acção destruidora não permitindo ao desditoso homem evitar o contacto com os
tecidos abdominais, órgãos genitais e coxas. Quando se apercebeu do ataque era
tarde. Tentou levantar-se, sacudiu-se, gritou por socorro mas o efeito
destrutivo do potente líquido continuava inexoravelmente a sua acção. A
Gabriela desmaiou e alguém accionou os meios de socorro e a Guarda. Entretanto
o senhor Antoninho continuou a gritar e a sacudir o que restava do vestuário o
que lhe provocou fortes queimaduras nas mãos e nos pulsos. Acabou por desmaiar
com as dores e foi nesse estado de inconsciência transportado para o hospital.